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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2017

A paragem

Em pé, agarrada à pega do tecto, vou passando o olhar por quem habita o metropolitano. Por escassos minutos aquela é a nossa casa. Somos perfeitos desconhecidos que se encontram por momentos. Muitos de nós nunca mais nos iremos voltar a ver. São minutos preciosos em que pousamos os olhos uns nos outros e conhecemos estranhos, sem nunca os conhecermos realmente. Há quem não tire os olhos do telemóvel; quem não tire os olhos das paragens que vão passando do outro lado da janela; quem olhe o tecto ou o infinito. Eu olho-os a todos, tento ler-lhes nas expressões o que lhes vai na alma. Quero saber em quem pensam, como lhes correu o dia, de onde vêm e para onde vão. Tento adivinhar-lhes as paragens de destino pela forma de vestir, pelo comportamento, pela inquietação. Conto os dos telemóveis e são a maioria. Conto os das malas e há muitos. O aeroporto será o destino dos das malas certamente... Para onde irão viajar? Tento agora adivinhar-lhes a nacionalidade. Preciso de uma palavra para

Alien

Quando o teu filho de treze anos acaba a noite de aniversário todo contente porque foi ver um concerto de jazz e recebeu uma t-shirt e um Cd autografado pela banda que viu actuar, pensas que, em vez de uma criança comum, deste à luz um alien . Ao mesmo tempo, quase num sentimento contraditório, suspiras e pensas: "Ainda bem! Meu rico alien !".

Parece...

DAQUI Parece que uma coisa que se diz jornal publicou um vídeo de uma alegada violação... Parece que as redes sociais se indignaram em peso e apresentaram queixa à ERC... Parece que a ERC irá investigar o caso do suposto jornal... Parece que a coisa é dos supostos jornais que vendem mais em Portugal... Parece que há um povo supostamente letrado que o lê...

Auto-estima lusitana

Este fim-de-semana, Portugal esteve lá em cima. Desde o santo Papa que por aqui poisou, passando por uma euforia em tons de vermelho, culminou na Salvação da nação. Somos um povo bipolar. Ora estamos nos píncaros, ora nos enterramos na areia. Tocamos a esquizofrenia, sem, porém, a habitarmos por completo. Rodamos sobre nós próprios na incerteza de um lugar para permanecer. O Papa curou-nos dos pecados, o Benfica passou de clube a futebol português, o Salvador, bem, o Salvador continuou a ser o Salvador, porque salvou toda uma nação das miseráveis qualificações nos miseráveis festivais da Eurovisão. A euforia instalou-se num país que é de um fado fatídico, a cair para o depressivo. E, no entanto, este fim-de-semana, por obra e graça do espírito santo, alevantou-se. Ergueu-se das amarguras e elevou-se aos céus, com uma ajudinha de um afável Francisco, claro! Há bestas e bestiais. Ah, mas nós, lusitanos, somos os dois! Hoje, somos os "máiores". Amanhã... logo se vê.

Desalinho

Salvador Sobral, Papa, Benfica, militar da GNR resumem uma semana, cujo apogeu se dá entre hoje e amanhã, repleta de fanatismo. Desde que as redes sociais substituíram as tertúlias no sofá da sala, na esquina da rua, à janela, ou na mesa de café, que os ânimos se exaltam não em cenas de pancadaria, que a virtualidade não permite, mas em cenas de fanatismo empírico desenhado em comentários desalinhados. Dizem-se as maiores barbaridades em acto reflexo. Despreza-se o poder do cérebro no processamento da informação. Reage-se. Abandona-se a empatia, a brandura, a clarividência. Há um misto de escuridão e ignorância instituídas. Será que a pressa e a reacção mataram a dúvida, a reflexão e o conhecimento que só o tempo permite? Será que nos anos que se seguirão o ser-humano vai perder a capacidade que o distingue de outros seres? Será que vai ser mais um guiado pelo instinto? O desalinho é geral. Ele paira por aí, no ar que se respira.

Sexta à noite

DAQUI De andar direito, até um pouco emproado, segue meio gingão pela rua fora. Hoje, que até está frio, as mangas da camisa têm de estar arregaçadas. É sexta à noite. E todas as sextas à noite merecem o esmero na indumentária, combinado com o perfume  Yves Saint Laurent  que a mãe lhe ofereceu no Natal. Está jeitoso e tão cheiroso que se sente ao longe. Cruza-se com a vizinha do quinto esquerdo que vai entrar no prédio e cumprimenta-a com uma vénia. É gira. E quando elas são giras não se podem desperdiçar. Sacam-se as mordomias e os cavalheirismos da cartola e elas derretem-se que nem manteiga ao sol, ou gelado, sabe lá. Nestes momentos só sabe o que faria com um avião daqueles. Mas hoje não. Hoje é sexta à noite e às sextas à noite não é por ali que quer andar, por isso não se pode perder no caminho. Saca as chaves do Audi azul descapotável da algibeira - não da cartola que na cartola só guarda aquelas elegâncias que impressionam as garinas - e dirige-se para o veículo en

Leio-te Mal?

Leio-te um olhar infeliz apesar do sorriso que trazes nos lábios. Como é penoso fingirmos a nós mesmos que nos basta o que não basta. O brilho que se esfumou do teu olhar para onde foi? Procuro-o no teu rosto sem o encontrar. Leio-te só apesar da gente que te rodeia. Leio-te longe de ti. Dos teus. Desterrada das tuas raízes, tentando enraizares-te aonde não pertences. Leio-te mal?

Às vezes, a vida...

Às vezes, a vida entra-me nariz adentro: no cheiro das flores, do feno, do mar, do sabonete que lavava a cara da minha bisavó. Às vezes, a vida roça-me a pele: no pêlo dos bichos por entre os dedos, na barba mal feita do meu homem que me arranha a cara, nos cabelos do meu filho junto ao queixo.  Às vezes, a vida mora-me nos sentidos e aloja-se no sentido da própria vida.

"Era uma vez uma baleia azul..." - por uma ovelha negra

DAQUI Parece que o jogo "Baleia Azul" tem assustado muita gente. Sim, de facto, pode ser muito assustador, mas não está sozinho naquilo que nos deve assustar. Tenho a sensação que andamos um bocado anestesiados e que só nos assustamos com notícias alarmistas, sem, porém, tomarmos consciência daquilo que nos está tornar cada vez menos pessoas. As novas tecnologias são ferramentas de grande valor, no entanto são também a causa de mudanças drásticas na sociedade. As relações pessoais, tanto entre adultos, quanto entre jovens, têm sofrido imenso com a dependência das tecnologias de que todos acabamos por sofrer um pouco. As relações com os outros e connosco próprios. Somos menos sociáveis, pensando que somos mais. Penso que é na adolescência que se nota mais os efeitos nefastos desta dependência. A partir dos dez anos é comum e aceitável pela maior parte dos pais terem os filhos constantemente agarrados aos telemóveis. E aqui o que me assusta mais é tomar-se por normal