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A mostrar mensagens de 2017

Natal

Porque toda a gente "posta" uma arvorezinha de Natal, eis a minha: A iluminação é do flash.

Coisas sem tal

Uma das coisas mais deprimentes é ver imbecis saltitantes de satisfação com a sua própria imbecilidade. Parecem os cozinheiros do Masterchef australiano numa versão extra-creepy.

Assédio tuga

Hoje fui assediada de uma forma um tanto ou quanto... original. Numa exposição, um senhor de uns oitenta e poucos anos encostou o ombro ao meu como que para ver o mesmo artigo exposto que eu estava a ver. Como uma pessoa mais ou menos bem-educada, afastei-me para lhe dar espaço, pensado que era isso que pedia com o encosto. O senhor volta a aproximar-se e diz: -Minha senhora, dá-me um beijinho? Olho para ele espantada e respondo:  - Não! - Porquê? - pergunta, estranhando a minha nega. - Porque não nos conhecemos. - Mas a senhora tem uma cara tão bonita... Dê-me lá um beijinho! Afasto-me com medo que, num saltinho (porque sou para o alta e ele era para o baixo), me espete um beijo, apanhando-me desprevenida. Finjo que vou ver outra peça da exposição para me afastar um pouco mais. O senhor vem atrás de mim e, como me sinto perseguida, olho para "maman" que está de costas e completamente alheio ao assédio de que estou a ser vítima, na esperança que, caso

Método científico

A propósito do vídeo abaixo que vi no Facebook, lembrei-me de vos contar duas ou três situações que aconteceram comigo na minha última ida ao Amoreiras, relacionadas com o nível de educação a que lá costumo assistir. Antes, faço uma pequena introdução para que melhor entendam onde quero chegar. Costumo ir ao cinema a centros comerciais, pois, além de já quase não haver cinemas só cinemas, vou atrás do filme que me apetece ver e, por isso, não tenho um sítio fixo e ando quase aleatoriamente por esses antros de consumo, Lisboa fora, no encalço do lugar mais barato para ver determinado filme. Restam-me, por vezes, locais não tão baratos, mas que são os únicos onde o filme passa ou são os que têm o horário que me dá mais jeito. No domingo passado, calhou ir ao Amoreiras. Já lá tínhamos ido noutras ocasiões e, confesso-vos, não é um dos locais que goste especialmente de ir ou estar. Aquilo é muito mal frequentado. Dá a ideia que é um local que atrai gente mal educada...

O Espelho

Em pequena fui protectora das minorias, dos mal-tratados e dos ofendidos. Costumava juntar-me à mais gorda ou mais feia da turma, aquela menina com quem toda a gente gozava e com quem ninguém gostava de ser visto. Tratava melhor os que eram desprezados e tinha uma atenção especial para com quem levava mais reguadas. Ainda sou um bocado assim, porém não tanto, porque as pessoas  que eu considerava minorias me foram mostrando tantos lados das suas personalidades que deixei de as ver apenas como mal-tratadas, ofendidas e carentes de protecção. Percebi, ao longo dos anos, que somos muito mais do que aquilo que aparentamos. E ainda bem, digo-o hoje. Olhando para trás, penso que talvez o fizesse por pena de as pessoas não terem as mesmas atenções que os outros, ditos populares, e como que para compensar os males que lhes faziam.  Olhando depois para dentro de mim, penso que também agia daquela forma para desviar os olhares das minhas próprias fragilidades. Se eu protegesse outros, sent

Espaços vagos

O luto não se faz só pelas pessoas que nos faltam e que se vão pelo fim da vida. Faz-se também e amiúde por aquilo que vamos perdendo: a paz, a realização pessoal, os sítios em que nos sentimos bem e que temos de abandonar, os ambientes, os cheiros. Perdemos bocados de nós à medida que vamos ganhando outros ou transmutando os que tínhamos. Há uma necessidade de luto não só na morte, mas na vida. É preciso o silêncio, a auto-comiseração, a dor profunda que nos permite emergir renovados e abertos ao que vem a seguir. Se não deixamos ir aquilo que nos sai da pele e da alma, dificilmente conseguimos arranjar espaço para aquilo que se segue. Somos limitados em espaço, temos pouco terreno para muitas coisas e enchemos o que temos com aquilo que nos preenche de verdade. Ao contrário do que nos parece, a perda faz-nos bem. Faz-nos evoluir, torna-nos mais fortes e permite-nos valorizar tanto o que se foi, quanto o que virá. Só os espaços vagos se podem ocupar e se não os ocupamos com aqui

Boas notas

O meu filho está habituado a ter boas notas sem se esforçar muito. A estudar praticamente nada, costuma tirar oitentas e noventas por cento nos testes. Nunca andei atrás dele para estudar, porque nunca foi preciso. Ele sempre geriu o tempo de estudo como bem entendeu e a minha função (e a do pai) foi sempre só lembrar se tinha algum teste no dia seguinte. Ele foi-se habituando a isto e nós também, por isso nunca nos preocupámos muito com as notas, nem lhe exigimos grande coisa em relação a elas. Na semana passada, chegou a casa todo chateado porque teve as notas mais baixas da sua vida. Não chegou a ter negativas, mas as positivas não estavam muito longe disso. Disse-me, indignado: - Mas como é que isto foi acontecer?! - É normal, não estudas quase nada e a matéria começa a ser mais - respondo, e pergunto a seguir - Tens estado com atenção nas aulas? - Nem por isso... Tenho falado um bocado na aulas... - E essas conversas pelo menos têm sido interessantes?  - Mais ou

Ler e escrever

Há uma candura e uma vontade de regressar à infância de quem lê e escreve. Ler, e escrever, vai para lá do que é o real. Leva-nos para um mundo imaginário, conduzido por quem escreve, mas só nosso, tão pessoal. Talvez por isso, ler e escrever sejam estreitos encontros com a solidão... Quando se lê um livro, mergulha-se numa dimensão à parte. Trilha-se um caminho de ficção e trilha-se outro que só existe no nosso interior. Percorrem-se as dúvidas e as certezas, os sonhos e a realidade, como se fossem sempre tão próximos. Parte-se da fantasia para a existência, sem nunca se sair completamente de dentro de nós. Ler, e escrever, é uma viagem ao tempo em que a imaginação nos comandava as emoções. É explorar o quarto escuro que nos apavorava ou os jardins que nos deslumbravam. É ir, e não voltar, aos lugares onde nos sentíamos sós e incompletos, mas ao mesmo tempo cheios de desconhecimento, inocência e ilusão. Ler, e escrever, é um exercício egoísta, em que não cabe lá mais ninguém para

Afectos e machismo

Imagem DAQUI . Todo o documento  AQUI Temos um PR adorado pelos seus abraços e beijinhos; Temos um acórdão do Tribunal da Relação do Porto que cita a Bíblia para desculpar a violência doméstica exercida sobre uma mulher adúltera. Proponho o seguinte exercício: - Imaginar que o PR era uma mulher que investia em abraços e beijinhos aos populares; - Imaginar que o acórdão desculpava a violência doméstica exercida sobre um homem adúltero. Que resultado obteríamos deste exercício? Calculo que surgiria a teoria de que a PR seria uma promíscua, carente de afectos, ou que se estaria a "atirar" a todo homem que lhe aparecesse à frente... Calculo que o homem agredido seria achincalhado por permitir sofrer violência doméstica por parte de uma mulher e que, em simultâneo, seria perdoado do adultério, tanto por ter uma mulher violenta, quanto por ter "carne fraca"... Enquanto condicionarmos a nossa avaliação das situações pelos géneros dos intervenientes, estaremos se

O Pintas

Fotografia DAQUI Estudei Gestão Equina numa terra no centro de Portugal. A escola dividia-se entre uma antiga escola, no centro da aldeia, convertida em internato masculino e salas de aulas e uma herdade a uns setecentos ou oitocentos metros já quase fora da localidade. Os alunos tinham aulas ora na escola, ora na herdade e seguiam geralmente a pé de um lado para o outro. Um dia, o Pintas apareceu por lá (já não me lembro bem onde o encontrámos pela primeira vez), um cão talvez arraçado de dálmata, pois era branco com pintas negras. Deram-lhe o nome de "Pintas", mas havia quem o chamasse de "Beethoven". Na verdade, podiam chamá-lo como quisessem que o cão reconhecia quando a conversa era com ele. O Pintas fazia o caminho herdade/escola e escola/herdade vezes sem conta. Penso que a intenção era acompanhar os seus amigos preferidos no caminho que separava as duas instalações escolares... Seguia a nosso lado como se fosse mais um aluno. Deixava-nos na

Ensinar é estimular a curiosidade

Estamos a matar a infância das nossas crianças!

Se há cerca de vinte, trinta anos, não se sabia tanto quanto se sabe hoje sobre pedagogia, psicologia ou educação, actualmente este conhecimento é muito mais vasto. Tão vasto que tendemos a instrumentalizar a forma como educamos as nossas crianças. Olhamos para os nosso filhos e vemo-los como projectos pessoais. Queremos que sejam os melhores e sempre melhores que eles próprios, que estejam sempre a evoluir para que sejam bem sucedidos na vida. É normal, porque independentemente das nossas crenças, queremos o melhor para eles, porque os amamos. Mas esta forma de amar e de os tentar conduzir para o sucesso está a matar-lhes a infância.  Não são poucas as vezes que ouvimos coisas do género:  "Quero que o Rui seja um óptimo engenheiro";  "Estou a fazer tudo para que a Ana seja a melhor professora que já leccionou";  "O que mais quero é que o André vença no mundo do trabalho como o melhor designer gráfico". Também dizemos que A ou B tem que

O bailado

Faltava cerca de meia hora para o sol se pôr sobre as águas do Atlântico. Na esplanada da praia, conversavam, um em frente ao outro. Ela, de top branco semi-decotado e casaquinho leve e escuro aberto, a cair-lhe dos ombros, parecia não sentir o frio que o vento trazia. Ele, de camisa aos quadrados e barba da moda como a de quem não segue modas, mantinha os pés descalços, um na areia e outro sobre o banco corrido, enquanto enrolava cigarros e a ouvia. No meio da conversa, ela deitava-lhe olhares profundos e deleitados ao mesmo tempo que afastava o cabelo para trás dos ombros ou passava a mão pelo pescoço nu. O nervosismo que tentava segurar entre o esforço por dar uso às mãos, ao olhar, ou às palavras, era visível da mesa em que eu me sentara.  Os copos à sua frente já se encontravam vazios há algum tempo. Não havia a possibilidade de bebericarem de vez em quando. Talvez até já se tivessem esquecido desse pormenor que os poderia ajudar a filtrar a tensão do momento e torná-la me

Bichinhos-de-conta e joaninhas

Passo por aí e arrepio-me.  O matagal, onde outrora foi o teu jardim cheio de rosas e laranjas e limões, e o anúncio da Remax a dizer que te vendem a casa... Volto aos dias em que andava por aí a enrolar bichinhos-de-conta. Perseguia-os com os dedos até que se enrolassem e ficava à espera que se voltassem a desenrolar para lhes poder tocar de novo. Às vezes, pegava em vários ao mesmo tempo e escondia-os na palma da mão. Largava-os no chão e observava como reagiam todos juntos. Tentava adivinhar-lhes o lugar da cabeça. Passava horas entretida com os bichinhos e a viajar dentro de mim.  Depois partia para as formigas ou para as joaninhas... E tu dizias-me: "Joaninha voa voa que o teu pai foi a Lisboa". E a minha cabeça voava para Lisboa à procura do meu pai que sabia noutro lado. Imaginava-o em Lisboa só para te fazer a vontade.  Tentava pegar nas joaninhas e fazê-las abrir as asas para que voassem a caminho da tua Lisboa. Ou para outro lado qualquer. Achava-as f

Quando tens um filho mais ecológico do que tu...

- J., leva o lixo para baixo quando saíres, se fazes favor! - Ok! Vais à porta para colocares mais um saco de lixo pronto para seguir caminho e vês que o teu filho levou o saco do plástico e um garrafão de água, deixando o outro garrafão no mesmo sítio. Como ele ainda está à espera do elevador, dizes-lhe: - Leva também este garrafão! Não custa nada! - Não, esse é reutilizável!  - Hã? Para quê? - Para encher com a água do banho quando estou à espera que ela aqueça... Depois podes utilizá-la para fazer a comida.

Burquíni

Não sendo eu muçulmana ou coisa que me valha, às vezes gosto de estar vestida na praia. Gosto de lá estar como se estivesse numa esplanada, a ler um livro e a cheirar a brisa do mar. Só que, em vez de estar sentada à mesa e ter de consumir alguma coisa para poder ficar ali, estou na toalha, vestida como se estivesse na rua, com roupa da cabeça aos pés. Pronto, aos pés não, porque se há coisa que me agrada é andar descalça. Num destes fins-de-semana estive no Algarve e foi assim que fui à praia. Até porque não levei biquíni e, como não sou escrava do bronze nem da exibição física nem tomo muitos banhos de mar, estive como me apeteceu no momento e naquele momento apeteceu-me ficar vestida. Sei que isto pode ter várias causas para além de simplesmente me apetecer... Talvez uma delas seja eu ser uma loira de 1,80 m num país de homens morenos e baixinhos e ter sofrido - cedo demais e por largos anos - olhares e outras formas de expressão que denotavam um assédio constante e hoje pref

Adolescência

O meu filho tem treze anos. É um companheirolas. Sempre foi connosco para todo o lado, desde concertos a bares, restaurantes de comidas estranhas a exposições, museus, ou aonde quer que fôssemos. Ontem, eu e ele fomos a um concerto de uma banda que toca música da minha geração e anterior, dos anos 70, 80, 90. O meu filho gostou imenso, conhecia praticamente todas as músicas que reconhecia aos primeiros acordes. Cantou e dançou um pouco e curtiu bastante o som. No final da noite, depois de termos passado por um bar e de termos dividido uma Seven Up, quando voltámos para casa, pergunta-me: - A adolescência é termos mais vontade de sairmos com os nossos amigos do que com os pais? - Sim, é também um pouco isso - respondo-lhe. - Ok, mãe, sou oficialmente um adolescente!

Corcundas

Ter dúvidas é quase considerado pecado. "Ah, eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas", já dizia o nosso "exímio" ex-PR quando ainda era PM.  Portugal está cheio de gente sobrecarregada de certezas. Têm tantas que as vemos curvadas pelo peso da convicção. Se por algum estranho acaso não estão plenamente convictas, inventam rapidamente uma qualquer certeza para ganharem credibilidade. Estamos a criar um país de corcundas que se vergam à ilusão de parecerem fidedignos. Preferem acreditar em mentiras do que dar tempo ao processo de descoberta. A hesitação é o mal de que morrem de medo de vir a padecer. E, no entanto, carecem do poder da interrogação. E, no entanto, padecem da ausência de clarividência.

Anita no Facebook

O Facebook anda a fazer-me mal. O chato é que preciso daquilo como ferramenta de trabalho e acaba por ser difícil desligar de vez ou até fazer um intervalinho com fins terapêuticos. Ultimamente, ando tão farta de por ali andar que já tudo me parece os livros da Anita. Antes do Verão: Anita corre quilómetros para caber no  biquíni Em férias:  Anita mete o pezinho na areia e o nariz no mar Em dias de sol: Anita vai à esplanada com as amigas e diverte-se a potes No fim das férias:  Anita volta para o trabalho chateadíssima, mas, pronto, a vida é assim e tem que trabalhar À hora das refeições:  Anita cozinha um delicioso jantar cheio de super-alimentos e de baixas calorias ou  Anita vai almoçar a um sítio todo fashion, come imenso marisco e bebe sangria de champagne Tarde de sábado:  Anita vai a uma exposição qualquer interessantíssima ou Anita sai à rua e vê as pessoas a passar Sábado à noite:  Anita dança e bebe gin  Tarde de domi

Da estupidez...

Primeiro entra aqui a minha estupidez: Pus-me a ler os comentários feitos às notícias que se espalham pelo Facebook. Burra, estúpida, nunca mais aprendes! Depois entra a estupidez da própria notícia:  Esta preciosidade  que tem gralhas que não se admitem num jornal como o Público e que se baseia em ouvir dizer de ouvir dizer "a  humorista e locutora de rádio argumentou em declarações ao jornal sueco  Aftonbladet,  citado pela  BBC ", o que mostra como os jornais têm de trabalhar rápido hoje em dia, porque as fontes de informação são, imagine-se, outros jornais, e também é baseada em tricas de Twitter. (Atenção que não culpo o Público por esta estupidez, de maneira nenhuma, culpo-nos a nós, leitores, que já não exigimos uma comunicação social como deve ser, porque preferimos a rapidez e a gratuitidade à qualidade! Sim, a culpa, e esta estupidez, é mesmo nossa!) Em terceiro lugar vem a estupidez do que é noticiado: Um festival de Verão só para mulheres, livre de homens,

Colecciono manhãs da minha janela

Quem vive de dia não sabe que o nascer do sol é muito mais belo do que o seu pôr. Eu, que me deito de manhã e vivo de noite, vejo-o mal ele acorda. Colecciono cada amanhecer, cada raio de luz que espreita ainda timidamente o horizonte. Roubo aquele momento para dentro de uma objectiva e vou sonhar com as manhãs que não presencio. Como se pudesse reviver aquilo que acabo por não chegar sequer a viver. Mas que levo para os meus sonhos e que fica comigo até ao acordar... já o sol está alto e sem beleza digna de retratos. Perco todo o percurso até se fixar lá em cima a iluminar-nos, mas guardo o mais belo de todo o seu caminho, quando ainda espia e se decide se há-de ou não nascer e agraciar-nos com um novo dia. Vejo-o sem que me veja, em tons laranja, da minha janela. Todos os dias.

O Pedro e os Pedros

A primeira morte que me devastou foi a morte de um colega de escola. Eu tinha uns seis ou sete anos. Lembro-me de a minha mãe me dar a notícia. "O Pedro morreu", ecoou-me na cabeça várias vezes. O Pedro tinha a minha idade e tinha ido de barco pescar para o rio com o avô. Parece que o Pedro caiu do barco e que o avô foi atrás dele para o tentar salvar. Ficaram lá os dois. O Pedro tinha uma irmã mais nova, loirinha como ele, e uns pais de aspecto feliz.  Lembro-me que me fartei de chorar pela morte do meu colega e por, pela primeira vez, ter tido consciência da mortalidade das crianças. Hoje, passados trinta e tal anos, volto ao Pedro e à sua morte estúpida. Volto ao Pedro levada pelos Pedros que têm morrido no incêndio de Pedrógão Grande. Mas já não volto só ao Pedro, volto aos pais dos Pedros que, ou os viram morrer, ou que morreram com eles a tentar salvá-los. A imagem do avô afogado ao lado do neto transforma-se na imagem dos pais e dos filhos dentro dos carros

In utero

No outro dia, o meu filho conheceu-se in utero . Mostrei-lhe a ecografia e o vídeo que se gravou naquela altura. Tinha cinco meses de gestação e nas imagens em tons dourados encontrou-se quando ainda um feto. Antes do vídeo e da ecografia que lhe mostra o rosto, tentou encontrar-se nas ecografias a preto e branco e pouco perceptíveis, desde o feijão até à última que fiz, já quase um homenzinho e pronto a irromper por mim afora. Teve pudor da nudez e sentiu um assalto à sua privacidade quando a imagem nos confirmou o seu sexo. Viu o próprio coração bater e ouviu-o, como se naquele momento se revisse num outro. Pela primeira vez, teve a noção de que veio por engano, que se não tivesse uma mãe maluca que se julgava imune às gravidezes, não estaria aqui e não seria ele. Percebeu que só o descobri já no segundo mês de gravidez e que foi um xixi numa espécie de caneta que mo revelou. "E o que pensaste, mãe?", "o que sentiste?", quis saber. Foi estranho contar-

A escola pode não ser um lugar escuro

Daqui Sei que digo aqui, muitas vezes, mal do ensino em Portugal. Há coisas que me revolvem as entranhas; que podiam melhorar muito; que não funcionam mesmo nada bem... Mas também há coisas boas a assinalar como a que aconteceu hoje de manhã com a turma do meu filho. Esta manhã, a professora de Português levou a turma pelas ruas da cidade para fazer perguntas à população sobre como escrever correctamente em português. Os alunos levaram uma lista de frases. Cada frase tinha uma palavra escrita da forma correcta e da forma incorrecta e as pessoas tinham que escolher a que estava bem. Os miúdos divertiram-se imenso, aprenderam e até ensinaram algumas dessas pessoas a escrever, e a falar, melhor. Foi uma actividade simples, sem custos acrescidos e que talvez tenha sido muito mais produtiva do que uma aula com a turma fechada dentro da sala. A única coisa que tenho a apontar é estes miúdos terem de aprender a escrever com o Acordo Ortográfico, que é uma perfeita aberração, mas ni

Era só isto!

"Malak, uma menina síria de 7 anos, fugiu da guerra na Síria com sua família. Eles passaram por uma perigosa jornada pelo Mediterrâneo. Nenhuma criança deveria passar por isso." Era só isto!

Injustiça e intolerância

A tentativa de mostrar que se é justo cai amiúde na intolerância. Parece um contra-senso e, até há bem pouco tempo, eu pensava que isto não existia. Só após ser mãe e ter um filho que faz algumas coisas bem feitas e tem (perdoem-me a ausência de modéstia neste capítulo, mas não consigo dizer isto sem parecer que me estou a gabar, quando, de facto, não estou, mas parecerá sempre que sim) uma inteligência e cultura acima da média, é que percebi que isto era possível de acontecer. Os modelos estilizados, que as pessoas seguem cegamente e, para com os quais, se abstêm de usar o pensamento crítico, potenciam a intolerância.  Imaginar alguém que é bom aluno é encaixá-lo no sector dos famosos marrões. Os ditos "marrões" são sempre relacionados com quem estuda horas a fio, é exemplarmente bem comportado e acata todas ordens sem as colocar em causa ou sequer questionar. Encontrar alguém que é bom aluno, que não estuda a ponta de um corno e que tem maus comportamentos p

Cobardia

Da imensidão de coisas que me afligem, a cobardia é daquelas que encabeça a lista. A mentira, a ocultação de verdades essenciais, a transferência de culpas para quem é mais fraco ou está menos protegido, a falsidade e a não assumpção dos próprios erros são características que estão de mãos dadas com a cobardia. Ser cobarde é trazer tudo isto no mesmo pacote. É ausência de maturidade, de seriedade, de humildade, em quem supostamente devia ser superior aos próprios erros ao ponto de os assumir e tentar corrigir com franqueza. A cobardia atinge essencialmente os invejosos, os que não são abonados por um amor-próprio suficiente que lhes permita reflectir sobre os próprios actos e sobre aquilo não dominam tão bem. O erro é inato ao Homem. Todos erram, todos falham. Mas só evolui quem ultrapassa as próprias fraquezas, assumindo-as e corrigindo-as e tomando-as como um caminho para a evolução pessoal. Os outros? Os outros são os cobardes, são que se estagnam e se deixam afundar na pr

A paragem

Em pé, agarrada à pega do tecto, vou passando o olhar por quem habita o metropolitano. Por escassos minutos aquela é a nossa casa. Somos perfeitos desconhecidos que se encontram por momentos. Muitos de nós nunca mais nos iremos voltar a ver. São minutos preciosos em que pousamos os olhos uns nos outros e conhecemos estranhos, sem nunca os conhecermos realmente. Há quem não tire os olhos do telemóvel; quem não tire os olhos das paragens que vão passando do outro lado da janela; quem olhe o tecto ou o infinito. Eu olho-os a todos, tento ler-lhes nas expressões o que lhes vai na alma. Quero saber em quem pensam, como lhes correu o dia, de onde vêm e para onde vão. Tento adivinhar-lhes as paragens de destino pela forma de vestir, pelo comportamento, pela inquietação. Conto os dos telemóveis e são a maioria. Conto os das malas e há muitos. O aeroporto será o destino dos das malas certamente... Para onde irão viajar? Tento agora adivinhar-lhes a nacionalidade. Preciso de uma palavra para

Alien

Quando o teu filho de treze anos acaba a noite de aniversário todo contente porque foi ver um concerto de jazz e recebeu uma t-shirt e um Cd autografado pela banda que viu actuar, pensas que, em vez de uma criança comum, deste à luz um alien . Ao mesmo tempo, quase num sentimento contraditório, suspiras e pensas: "Ainda bem! Meu rico alien !".

Parece...

DAQUI Parece que uma coisa que se diz jornal publicou um vídeo de uma alegada violação... Parece que as redes sociais se indignaram em peso e apresentaram queixa à ERC... Parece que a ERC irá investigar o caso do suposto jornal... Parece que a coisa é dos supostos jornais que vendem mais em Portugal... Parece que há um povo supostamente letrado que o lê...

Auto-estima lusitana

Este fim-de-semana, Portugal esteve lá em cima. Desde o santo Papa que por aqui poisou, passando por uma euforia em tons de vermelho, culminou na Salvação da nação. Somos um povo bipolar. Ora estamos nos píncaros, ora nos enterramos na areia. Tocamos a esquizofrenia, sem, porém, a habitarmos por completo. Rodamos sobre nós próprios na incerteza de um lugar para permanecer. O Papa curou-nos dos pecados, o Benfica passou de clube a futebol português, o Salvador, bem, o Salvador continuou a ser o Salvador, porque salvou toda uma nação das miseráveis qualificações nos miseráveis festivais da Eurovisão. A euforia instalou-se num país que é de um fado fatídico, a cair para o depressivo. E, no entanto, este fim-de-semana, por obra e graça do espírito santo, alevantou-se. Ergueu-se das amarguras e elevou-se aos céus, com uma ajudinha de um afável Francisco, claro! Há bestas e bestiais. Ah, mas nós, lusitanos, somos os dois! Hoje, somos os "máiores". Amanhã... logo se vê.

Desalinho

Salvador Sobral, Papa, Benfica, militar da GNR resumem uma semana, cujo apogeu se dá entre hoje e amanhã, repleta de fanatismo. Desde que as redes sociais substituíram as tertúlias no sofá da sala, na esquina da rua, à janela, ou na mesa de café, que os ânimos se exaltam não em cenas de pancadaria, que a virtualidade não permite, mas em cenas de fanatismo empírico desenhado em comentários desalinhados. Dizem-se as maiores barbaridades em acto reflexo. Despreza-se o poder do cérebro no processamento da informação. Reage-se. Abandona-se a empatia, a brandura, a clarividência. Há um misto de escuridão e ignorância instituídas. Será que a pressa e a reacção mataram a dúvida, a reflexão e o conhecimento que só o tempo permite? Será que nos anos que se seguirão o ser-humano vai perder a capacidade que o distingue de outros seres? Será que vai ser mais um guiado pelo instinto? O desalinho é geral. Ele paira por aí, no ar que se respira.

Sexta à noite

DAQUI De andar direito, até um pouco emproado, segue meio gingão pela rua fora. Hoje, que até está frio, as mangas da camisa têm de estar arregaçadas. É sexta à noite. E todas as sextas à noite merecem o esmero na indumentária, combinado com o perfume  Yves Saint Laurent  que a mãe lhe ofereceu no Natal. Está jeitoso e tão cheiroso que se sente ao longe. Cruza-se com a vizinha do quinto esquerdo que vai entrar no prédio e cumprimenta-a com uma vénia. É gira. E quando elas são giras não se podem desperdiçar. Sacam-se as mordomias e os cavalheirismos da cartola e elas derretem-se que nem manteiga ao sol, ou gelado, sabe lá. Nestes momentos só sabe o que faria com um avião daqueles. Mas hoje não. Hoje é sexta à noite e às sextas à noite não é por ali que quer andar, por isso não se pode perder no caminho. Saca as chaves do Audi azul descapotável da algibeira - não da cartola que na cartola só guarda aquelas elegâncias que impressionam as garinas - e dirige-se para o veículo en

Leio-te Mal?

Leio-te um olhar infeliz apesar do sorriso que trazes nos lábios. Como é penoso fingirmos a nós mesmos que nos basta o que não basta. O brilho que se esfumou do teu olhar para onde foi? Procuro-o no teu rosto sem o encontrar. Leio-te só apesar da gente que te rodeia. Leio-te longe de ti. Dos teus. Desterrada das tuas raízes, tentando enraizares-te aonde não pertences. Leio-te mal?

Às vezes, a vida...

Às vezes, a vida entra-me nariz adentro: no cheiro das flores, do feno, do mar, do sabonete que lavava a cara da minha bisavó. Às vezes, a vida roça-me a pele: no pêlo dos bichos por entre os dedos, na barba mal feita do meu homem que me arranha a cara, nos cabelos do meu filho junto ao queixo.  Às vezes, a vida mora-me nos sentidos e aloja-se no sentido da própria vida.