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Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2016

Supermercado milagroso

Amanheci em desalento. A noite havia sido pouca, levantei-me irritada e sem sono que, há já vários dias, andava em falta, chorei, discuti. Não saí de casa até à hora em que fui ao supermercado.  No espelho, antes de sair, vi-me velha e cheia de rugas, cabelo estranho, olheiras, olhar triste e cansado. O fim do dia prometia não destoar do seu início, ainda mais por ter de ir às compras que detesto. Já no supermercado, na secção dos laticínios, encontrei dois chineses em busca de leite gordo. Olhavam as prateleiras desorientados e pediram-me socorro. Procurei o que pretendiam e ajudei-os a distinguir as várias qualidades de leite para que numa próxima ocasião não precisassem do auxílio de ninguém. Agradeceram-me muito e levaram o produto que pretendiam. Na secção dos congelados, uma senhora abalroou-me o carrinho de compras. Pediu-me imensas desculpas e devolvi-lhe um sorriso acompanhado por um "não faz mal". Na padaria, esqueci-me de tirar a senha e a freguesa

É o país que temos!

Esta típica frase portuguesa aparece vezes sem conta a rematar conversas que não se querem ter mais do que à superfície. Faz-me lembrar o fado, o fatalismo, a resignação a um destino. Oiço-a amiúde e não sou capaz de a deixar de ouvir. "Os impostos são muito altos. É o país que temos!"; "Os políticos são todos uns corruptos! É o país que temos!"; "O ladrão saiu em liberdade! É o país que temos!"; "Hoje choveu! É o país que temos!"; e por aí fora aplicada a qualquer conversa de circunstância.  "É o país que temos" é o ponto final. Acabou, não há nada a fazer. Temos pena, mas agora vamos à nossa mísera vidinha de cabeça baixa num lamento interminável! Claro que há muito a fazer, porra!  É este o país que queremos ter?  Se não é, porque não o mudamos? Eu respondo: porque do que gostamos realmente é de nos lastimar. Seja lá do que for. Se fizermos coisas, se mudarmos o que está mal, já não temos razão de queixa. Já não

Tenho uma tatuagem no meio do peito

Ontem, no elevador, olhei ao espelho o meu peito que espreitava pelo decote em bico da camisola, e vi-a. "Tenho uma tatuagem no meio do peito", pensei. Geralmente, não a vejo. Faz parte de mim, há dez anos, aquele pontinho meio azulado. Já quase invisível aos meus olhos, pelo contrário, ontem, olhei-a com atenção, porque o tempo já me separa do dia em que ma fizeram e me deixa olhá-la sem ressentimentos. À tatuagem como à cicatriz que trago no pescoço. A cicatriz foi para tirar o gânglio que confirmou o linfoma. Lembro-me do médico me dizer "vamos fazer uma cicatriz bonitinha. Ainda é nova e vamos conseguir escondê-la na dobra do pescoço. Vai ver que quase não se vai notar". Naquela altura pouco me importava se se ia notar. Entreguei o meu corpo aos médicos como o entrego ao meu homem quando fazemos amor. "Façam o que quiserem desde que me mantenham viva", pensava. "Cortem e cosam à vontade! Que interessa a estética de um corpo se ele está a morrer