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O sinistro caso da espécie humana

Durante grande parte da minha vida, vivi afastada das pessoas. A sua extrema complexidade e a minha extrema timidez afastaram-me delas e aproximaram-me dos animais. Achava-os mais simples, mais básicos e, por isso, mais sinceros.

De há uns anos para cá, as pessoas começaram a fascinar-me. Talvez por ter crescido, talvez por ter conhecido mais gente e ter passado por muitas situações na vida em que as pessoas mostraram de que massa são feitas, talvez porque percebi que, afinal, não são assim tão complexas.
Não sei dar uma explicação concreta, mas a verdade é que hoje vivo fascinada por pessoas. Dedico grande parte dos meus dias a observá-las. Adoro reparar nos gestos, na forma como falam, no olhar, nas palavras. Desta observação que faço aos humanos, esta é parte boa e apaixonante.

Porém, este fascínio não se resume à parte boa. Há a parte má, aterrorizante até, mas não menos fascinante. E esta aparece na altura em que me ponho a ouvir-lhes as opiniões e, agora, a ler-lhes os comentários nas redes sociais.

Sei que é sinistro este meu estudo da espécie humana, mas há qualquer coisa que me impele a este exercício masoquista. Talvez seja uma secreta descrença na descida da humanidade às catacumbas e uma constante necessidade de a desacreditar. Ou, pelo contrário, talvez seja, a necessidade de confirmar a simplicidade e, até, a vulgaridade do ser humano quando mostra a sua mais desprezível essência.

Pois... não sei. Sei apenas que lhes oiço opiniões e lhes leio os comentários. Compulsivamente. E quase sempre chego à conclusão de que há gente bem pior do que eu imaginava.
Esta recorrente conclusão atormenta-me, corrói-me e vai destruindo as poucas ilusões que ainda tinha num mundo mais justo, numa sociedade mais igualitária, numa humanidade maior.

Foi precisamente o que me aconteceu ao ler os comentários ao caso da miúda de 16 anos que foi violada por 30 homens no Brasil. 30 homens! Não foram dois, não foram 10, foram 30! 30 filhos da mãe!
Se a notícia, de que 30 homens foram capazes de tamanha selvajaria a uma miúda, já seria suficiente para destruir qualquer utopia humanista, os comentários à mesma arrasaram-na por completo.

Ler gente a desculpar os autores do crime e a atirar as culpas para a mini-saia, para os pais, para as drogas ou para o filho de três anos da rapariga deixou-me horrorizada.
Nada desculpa os 30 marmanjos criminosos! Nada! Nem que a miúda andasse nua na rua ou tivesse filhos desde os 6 anos e gostasse de fazer orgias ao pequeno-almoço. Quando uma pessoa não quer fazer sexo com outra, ninguém a pode obrigar! Muito menos torturarem-na como aqueles filhos da mãe lhe fizeram!

Ler gente, que se diz cheia de moralismos, valores e princípios, a descer ao nível do criminosos é quase tão terrível quanto a brutalidade do crime. É depararmo-nos com uma completa falta de empatia ou compaixão ou, mesmo, de discernimento do que é certo ou errado por parte de pessoas supostamente normais. É apercebermo-nos de que estamos rodeados de animais (porque será que cada palavra que escrevo para qualificar esta gente me parece sempre desajustada e demasiado ligeira?) que vestem pele de humanos, mas que de humanos não têm nada. É aterrador e desolador! Atira-nos para um canto a mais leve esperança que tenhamos guardado de que há valores que nos nivelam.
É perceber que a natureza humana é reles, muito reles, e que esta gente que comenta pode, a qualquer momento, imitar os 30 escroques e que só não o fez ainda porque não se proporcionou.
É perceber que esta selva é cada vez mais perigosa do que a outra, a dos animais verdadeiros, e chegar à conclusão que os básicos somos nós que, nem com a capacidade de raciocinar, raciocinamos.

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